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As peculiaridades da política brasileira
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Marisa Fonseca Diniz
O tema Brasil nunca foi tão enfatizado como nos tempos atuais, pensando nisso apresento neste artigo algumas peculiaridades da política brasileira representada por alguns famosos escritores, começando com a crônica de Luis Fernando Veríssimo (escritor, humorista, cartunista, tradutor, romancista, roteirista e autor).
HÁBITO NACIONAL
Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos
rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à
providência divina. O avião se espatifa no chão.
São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do
grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde
vêm. São Pedro interrompe com um gesto irritado.
- Eu sei, eu sei.
Aponta para uns formulários em cima de sua mesa e diz:
- Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência e
entrada no céu.
O porta-voz engole em seco e pergunta:
- E... então?
São Pedro não responde. Olha em torno, examinando a cara
dos suplicantes.
Aponta para cada um e pede que se identifiquem pelo crime.
- Torturador.
- Minha financeira estourou.
- Enganei milhares.
- Corrupto. Menti para o povo.
- Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.
- Roubei.
- Me locupletei.
- Matei.
Etcétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:
- Seus requerimentos passaram pela Comissão de Perdão
rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, mera
formalidade, e foram rejeitados por unanimidade.
Mas como nós, mais que ninguém, temos que ser justos,
para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na Câmara Alta, da qual
eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor.
Infelizmente, era o voto mais importante.
- Você quer dizer...
- É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em
contrário e prevalece a vontade soberana d'Ele. Isto aqui ainda é o Reino dos
Céus.
- E nós podemos entrar?
São Pedro suspira.
- Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o Inferno.
Mas... Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se congratulando.
Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São Pedro.
- Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa gente?
E São Pedro, desanimado:
- Sabe como é, Brasileiro...
Nossa próxima crônica foi escrita por um gênio da literatura brasileira, Machado de Assis, (Rio de Janeiro de 21 de junho de 1839 a 29 de setembro de 1908).
Nesse ano entrara eu para a imprensa. Uma noite, como
saíssemos do Teatro Ginásio, Quintino Bocaiúva e eu fomos tomar chá. Bocaiúva
era então uma gentil figura de rapaz, delgado, tez macia, fino bigode e olhos
serenos. Já então tinha os gestos lentos de hoje, e um pouco daquele ar distant
que Taine achou em Mérimée. Disseram cousa análoga de Challemel-Lacour, que
alguém ultimamente definia como très républicain de conviction et très
aristocrate de tempérament. O nosso Bocaiúva era só a segunda parte, mas já
então liberal bastante para dar um republicano convicto. Ao chá, conversamos
primeiramente de letras, e pouco depois de política, matéria introduzida por
ele, o que me espantou bastante, não era usual nas nossas práticas. Nem é exato
dizer que conversamos de política, eu antesrespondla às perguntas que Bocaiúva
me ia fazendo, como se quisesse conhecer as minhas opiniões. Provavelmente não
as teria fixas nem determinadas; mas, quaisquer que fossem, creio que as
exprimi na proporção e com a precisão apenas adequadas ao que ele me ia
oferecer. De fato, separamo-nos com prazo dado para o dia seguinte, na loja de
Paula Brito, que era na antiga Praça da Constituição, lado do Teatro S. Pedro,
a meio caminho das Ruas do Cano e dos Ciganos. Relevai esta nomenclatura morta;
é vício de memória velha. Na manhã seguinte, achei ali Bocaiúva escrevendo um
bilhete. Tratava-se do Diário do Rio de Janeiro, que ia reaparecer, sob a
direção política de Saldanha Marinho. Vinha dar-me um lugar na redação com ele
e Henrique César Múzio.
Estas minudências, agradáveis de escrever, sê-lo-ão menos
de ler. É difícil fugir a elas, quando se recordam cousas idas. Assim, dizendo
que no mesmo ano, abertas as câmaras, fui para o Senado, como redator do Diário
do Rio, não posso esquecer que nesse ou no outro ali estiveram comigo Bernardo
Guimarães, representante do Jornal do Comércio, e Pedro Luís, por parte do
Correio Mercantil, nem as boas horas que vivemos os três. Posto que Bernardo
Guimarães fosse mais velho que nós, partíamos irmãmente o pão da intimidade.
Descíamos juntos aquela Praça da Aclamação, que não era então o parque de hoje,
mas um vasto espaço inculto e vazio como o Campo de S. Cristóvão. Algumas vezes
íamos jantar a um restaurant da Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, nome
este que se lhe deu por indicação justamente no Diário do Rio; o poeta morara
ali outrora, e foi Múzio, seu amigo, que pela nossa folha o pediu à Câmara
Municipal. Pedro Luís não tinha só a paixão que pôs nos belos versos à Polônia
e no discurso com que, pouco depois, entrou na Câmara dos Deputados, mas ainda
a graça, o sarcasmo, a observação fina e aquele largo riso em que os grandes
olhos se faziam maiores. Bernardo Guimarães não falava nem ria tanto,
incumbia-se de pontuar o diálogo com um bom dito, um reparo, uma anedota. O Senado
não se prestava menos que o resto do mundo à conversação dos três amigos.
Poucos membros restarão da velha casa. Paranaguá e
Sinimbu carregam o peso dos anos com muita facilidade e graça, o que ainda mais
admira em Sinimbu, que suponho mais idoso. Ouvi falar a este bastantes vezes;
não apaixonava o debate, mas era simples, claro, interessante, e, fisicamente,
não perdia a linha. Esta geração conhece a firmeza daquele homem político, que
mais tarde foi presidente do Conselho e teve de lutar com oposições grandes. Um
incidente dos últimos anos mostrará bem a natureza dele. Saindo da Câmarados
Deputados para a Secretaria da Agricultura, com o Visconde de Ouro Preto,
colega de gabinete, eram seguidos por enorme multidão de gente em assuada. O
carro parou em frente à secretaria; os dous apearam-se e pararam alguns
instantes, voltados para a multidão, que continuava a bradar e apupar, e então
vi bem a diferença dos dois temperamentos. Ouro Preto fitava-a com a cabeça
erguida e certo gesto de repto; Sinimbu parecia apenas mostrar ao colega um
trecho de muro, indiferente. Tal era o homem que conheci no Senado...acesse o link no título para baixar
gratuitamente toda crônica.
E fechar com chave de ouro este breve artigo, um trecho
do discurso feito por Rui Barbosa (jurista,
advogado, político, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e
orador) no Senado Brasileiro sobre corrupção. Discurso antigo, porém muito
atual.
DISCURSO SOBRE CORRUPÇÃO
A sua grande vergonha, diante do estrangeiro, é aquilo
que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.
A corrupção, senhores, desanima o trabalho, a
honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração
das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não
acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove
a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a
cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver
prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da
virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
E apavorados seguimos sem ver uma luz no final do túnel,
já que o país está sempre andando desgovernadamente pela história. Triste
realidade!
Artigo protegido pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de
1998. É PROIBIDO copiar, imprimir ou
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