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Destreza literária de Fernando Sabino


(Nasceu homem e morreu menino)


Marisa Fonseca Diniz



Vamos dar uma paradinha na nossa vida agitada do dia-a-dia aproveitando para beber uma deliciosa bebida quente e ler algumas crônicas e contos do escritor Fernando Sabino.

Para quem não sabe o jornalista e escritor Fernando Tavares Sabino, mais conhecido como Fernando Sabino, nasceu no dia 12 de outubro de 1923 na capital mineira de Belo Horizonte, Brasil, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 11 de outubro de 2004 aos 80 anos de idade.

Fernando Sabino começou a escrever contos aos 13 anos de idade, sendo sua primeira publicação feita na Revista Argus que falava sobre uma história policial, e seu primeiro livro de contos foi publicado no ano de 1941 com o título de “Os grilos não cantam mais.”

Com mais de 50 obras literárias publicadas ao longo da vida, Fernando Sabino sempre foi uma pessoa dedicado à arte literária. Desde muito jovem foi incentivado pela família a escrever ganhando dessa maneira diversos concursos literários de crônicas e contos. Iniciou seus estudos superiores no ano de 1941 na Faculdade de Direito de Minas Gerais e ingressou no jornalismo como redator da Folha de Minas. No ano de 1942 trabalhou na Secretaria de Finanças de Minas Gerais e deu aulas de Língua Portuguesa no Instituto Padre Machado. Estagiou no Quartel de Cavalaria de Juiz de Fora por um curto período de tempo no qual rendeu uma boa experiência pessoal que colaborou na formação do livro o Grande Mentecapto.



A partir do final da década de 1940, a carreira profissional de Fernando Sabino consolidou-se e rendeu diversas publicações nos quais intercalava a realidade ao humor rendendo boas risadas. A genialidade do escritor nos remete aos tempos antigos, onde algumas de suas obras literárias colaboraram para a leveza da vida daqueles que tinham como hábito ler suas crônicas.

Como se sabe todo escritor é um assíduo leitor e pensando nisso decidi neste artigo colocar algumas crônicas de Fernando Sabino, a fim de que possamos nos divertir sem sair da frente do computador, pois a vida pode parecer amarga, mas não há nada melhor do que dar boas risadas das situações vividas.

SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA



Memória boa tinha aquele velho. Correu os olhos pelo cartório onde eu era escrivão e veio direto à minha mesa:

- Sr. Escrivão, meus respeitos – fez um salamaleque: - Queria que o senhor me desse informações sobre um inventário.

-  Às suas ordens – e retribui o cumprimento: - Inventário de quem?

- Já lhe digo o nome do falecido. Minha memória ainda é das melhores – apesar de ter sofrido uma comoção cerebral há poucos dias, ainda não estou inteiramente bom. Espera aí, deixa eu ver...Sou advogado há mais de quarenta anos, não esqueço o nome de um constituinte, vivo ou morto. Hoje em dia...Benvindo!

- Como?

- O nome do falecido era Benvindo. Isto! Benvindo Lopes. Marido da minha cozinheira. Faleceu há pouco tempo. Ela já não está boa da cabeça e se eu não me lembrasse o nome do marido dela, quem é que haveria de lembrar? Levindo Lopes.

- O senhor disse Benvindo.

- Eu disse Benvindo? Veja o senhor!

- É Levindo ou Benvindo?

Ele ficou pensativo um instante:

- Benvindo seja – respondeu afinal, muito sério.

Depois de verificar no fichário, expliquei-lhe que deveria trazer uma petição. O velho agradeceu e saiu, assegurando-me que sim, não esqueceria. Nem dez minutos haviam decorrido e tornou a surgir na porta:

- Sr. Escrivão, já que o senhor ainda há pouco foi tão amável e sem querer abusar, posso lhe pedir uma informação? É sobre um inventário, esqueci de lhe dizer. Minha memória é muito boa, mas sofri há dias uma comoção cerebral...

- O senhor me disse – sorri-lhe, solicito: - Qual é o inventário, desta vez?

- Inventário de... de... Não vê o senhor? A minha cozinheira...O marido dela...

- Benvindo Lopes? Como é que o senhor sabe?

- O senhor já me tinha dito.

- Mas sim senhor! Vejo que também tem boa memória.

Tornei a explicar-lhe a mesma coisa, isto é, que deverá trazer uma petição. 
Não esquecesse.

- Não, não me esqueço.

Agradeceu e se afastou. Deteve-se a meio caminho da porta:

- Veja o senhor! Já ia me esquecendo é do motivo principal que me trouxe aqui: a minha cozinheira, que está mais velha  do que eu, perdeu o marido há pouco tempo e estou cuidando do inventário dele...

- Sabe o nome do falecido? – perguntei, sem me alterar.

- Como não? Minha memória ainda funciona, para nomes, então, principalmente. Ora, pois. É Levindo não sei o quê...

- Não era Benvindo?

- Isso! Benvindo...Benvindo Lopes, se não me engano.

- Esse nome não me é estranho – limitei-me a murmurar.


O IMPÉRIO DA LEI



- Mas, meu amigo, isso que o senhor está pretendendo é contra a lei.

- Contra a lei como?

- Contra a lei: existe uma lei regulando a matéria.

- Regulando a matéria? Que matéria?

- O senhor está de brincadeira comigo? A matéria sobre a qual versa a sua pretensão, falei claro?

- Claríssimo e daí?

- Daí o quê?

- Não entendo aonde o senhor quer chegar.

- Eu não quero chegar a lugar nenhum. O senhor é que quer que eu prove uma pretensão que incide diretamente contra a lei.

- Lei? Aqui na Prefeitura?

- Aqui na Prefeitura.

- Mais isso nem é Prefeitura mais, é Governo do Estado da Guanabara.

- E daí? Chegou a minha vez de perguntar. A lei continua a mesma. Não posso decidir contra a lei.

- O senhor me desculpe, mas longe de mim querer que o senhor decida contra a lei. Eu queria só que decidisse a meu favor.

- O que vem dar na mesma.

- Dar na mesma como?

- Decidindo a seu favor eu estou decidindo contra a lei. Morou?

- Morei. Longe de mim pretender uma coisa dessas. Aliás, louvo muito o seu zelo. No meu caso, todavia, creio que não há problema: é só aprovar...

- Será possível que o senhor não entenda? Se dependesse de mim, eu aprovava...

- Pois então?

- ...mas acontece que a lei é taxativa, diz expressamente que não é permitido.

- O senhor por favor não me leve a mal, mas nunca na minha vida ouvi falar que não fosse permitido.

- Nunca ouvi falar, mas nem por isso deixa de ser. Quer ver o texto da lei?

- Só se for alguma coisa nova, que eu não conheça.

- Não é não: é antiga pra burro. Eu já lhe mostro. Que o senhor não conhece, está se vendo... Aqui está ela, olhe só.

- Ah, mas agora estou entendendo! O senhor falava era essa lei aí? Bem vi que havia coisa. Essa lei eu conheço não é de hoje. Não pegou.

- Como assim?

- Ela não pegou não, o senhor não sabia?

- Quer dizer que lei é feito vacina, umas pegam e outra não pegam.

- Isso mesmo. Essa, por exemplo, não houve jeito de pegar. Pode aprovar, por minha conta! Puxa, que o senhor chegou a me assustar.


OUSADIA


A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:

- A sua passagem já está paga – disse o motorista.

- Paga por quem?

- Esse cavalheiro aí.

E apontou um mulato bem vestido que acabara de deixa o ônibus, e aguardava com um sorriso junto à calçada.

- É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber.

- Mas já está paga...

- Faça o favor de receber! – insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para que o homem ouvisse: - já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não está vendo? Vamos, faço questão que o senhor eceba minha passagem.

O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: o melhor para ele, ganhava duas vezes.

A moça saltou do ônibus e passou fuzilando de indignação pelo homem.

Foi seguindo pela rua, sem olhar para ele.

Se olhasse veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.

Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater, aflita:

- Abre! abre aí!

 A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos confusos, a sua aventura:

- Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!

De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no saguão. Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:

- Olha ele ali! É ele, venham ver! Ainda está ali, o sem vergonha. Mas que ousadia!

Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça:

- Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.

- Marcelo? Que Marcelo? – a moça se voltou, surpreendida.

- Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.

A moça só faltou morrer de vergonha:

- É mesmo, é o Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você me desculpe, Marcelo, por favor.

No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:

- A senhora é quem me desculpe, foi muita ousadia...


O MELHOR AMIGO


A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente à distância. Como a mãe não se voltasse para vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto.

– Meu filho? – gritou ela.

– O que é – respondeu, com o ar mais natural que lhe foi possível.

– Que é que você está carregando aí?

Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido,tentou ainda ganhar tempo.

– Eu? Nada…

– Está sim. Você entrou carregando uma coisa.

Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la.Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:

– Olha aí, mamãe: é um filhote…

Seus olhos súplices aguardavam a decisão.

– Um filhote? Onde é que você arranjou isso?

– Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe?

Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso. Insistiu ainda:

– Deve estar com fome, olha só a carinha que ele faz.

– Trate de levar embora esse cachorro agora mesmo!

– Ah, mamãe… – já compondo uma cara de choro.

– Tem dez minutos para botar esse bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas.

O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado:

A gente também não tem nenhum direito nesta casa – pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado desta maneira!

– Que diabo também, nesta casa tudo é proibido! – gritou, lá do quarto, e ficou esperando a reação da mãe.

– Dez minutos – repetiu ela, com firmeza.

– Todo mundo tem cachorro, só eu que não tenho.

– Você não é todo mundo.

– Também, de hoje em diante eu não estudo mais, não vou mais ao colégio, não faço mais nada.

– Veremos – limitou-se a mãe, de novo distraída com a sua costura.

– A senhora é ruim mesmo, não tem coração!

– Sua alma, sua palma.

Conhecia bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável:

– Vamos, chega! Leva esse cachorro embora.

– Ah, mamãe, deixa! – choramingou ainda: – Meu melhor amigo, não tenho mais ninguém nesta vida.

– E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe?

– Mãe e cachorro não é a mesma coisa.

– Deixa de conversa: obedece sua mãe.

Ele saiu, e seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa.

– Pronto, mamãe!

E exibia-lhe uma nota de vinte e uma de dez: havia vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros.

– Eu devia ter pedido cinquenta, tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo.


O GATO SOU EU


– Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.

– Continuou dormindo.

– Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.

– Que espécie de gato?

– Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.

– A que você associa essa imagem?

– Não era uma imagem: era um gato.

– Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?

– Associo a um gato.

– Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… 

Evidentemente esse gato sou eu.

– Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.

– Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.

– Uma projeção do senhor?

– Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.

– Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.

– Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.

– Em quem o senhor está falando?

– Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.

– Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.

– Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.

– Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?

– Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.

– Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?

– Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.

– E eu insisto em dizer: não é.

– Sou.

– Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.

– Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…

– Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?

– É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.

– Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.

– Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.

– Já disse que o gato sou eu!

– Sou eu!

– Ponha-se para fora do meu gato!

– Ponha-se para fora daqui!

– Sou eu!

– Eu!

– Eu! Eu!

– Eu! Eu! Eu!

Artigo protegido pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. É PROIBIDO copiar, imprimir ou armazenar de qualquer modo o artigo aqui exposto, pois está registrado.


Licença Creative Commons
O trabalho Destreza literária de Fernando Sabino de Marisa Fonseca Diniz está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://cafesonhosepensamentos.blogspot.com/2019/05/destreza-literaria-de-fernando-sabino.html.

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